CALATONIA E O CORPO COMO EXPRESSÃO SIMBÓLICA
Calatonia indica tônus descontraído, não só no sentido estático e muscular, mas como técnica de relaxamento profundo, promove um reequilíbrio físico e psiquico no indivíduo. Khalaó, do grego, indica “relaxação”, “alimentação”, “afastar-se do estado de ira, fúria, violência”, “abrir uma porta”, “retirar todos os véus dos olhos”.
O processo calatônico foi elaborado por Petho Sándor, médico húngaro que veio para o Brasil em 1949, residindo em São Paulo até seu falecimento em 1992. Dedicou-se, nesse período, plenamente à psicologia clínica e ao ensino. A Calatonia é baseada em suas experiências e observações feitas em casos de reamputações em pessoas feridas e congeladas durante a segunda guerra mundial. Segundo ele “percebeu-se que além da medicação costumeira e dos cuidados de rotina, o contato bipessoal juntamente com a manipulação suave nas extremidades e na nuca, com certas modificações leves quanto à posição das partes manipuladas, produzia descontração muscular, comutação vasomotora e recondicionamento do animo dos operados, numa escala pouco esperada”. Suas observações transferiram-se de uma população hospitalizada para a área da psicologia e da neuropsiquiatria. Estabeleceu fundamentos para a utilização de toques sutis no atendimento psicoterápico, como nos mostra Delmanto em “Toques sutis”, quanto a ele referir-se ao fato de que ao lado dos efeitos terapêuticos do contato, os toques sutis se “utilizam do alto potencial de sensibilidade cutânea, proporcionando uma vivência multisensorial, uma síntese de várias particularidades perceptivas e aperceptivas, sintonizadas e sincronizadas numa configuração singular em cada indivíduo”. Os critérios de escolha de tais “pontos de toque”, ou estimulação, variam de acordo com o processo de cada um, de caso a caso.
A técnica consiste em estímulos táteis, monótonos e leves, aplicados nos pés do paciente: nos dedos, na sola dos pés, nos calcanhares e na convergência tendinosa do tríceps sural. Mais tarde, incluem-se as palmas das mãos, a face anterior do pescoço, a testa e na nuca (região occipital).
As imagens durante o processo calatônico, surgem sem qualquer condicionamento especial na esfera emotiva ou intelectiva, No contato suave e repetitivo nos pontos específicos é que o recondicionamento psicofísico acontece. O relaxamento, visando o bem estar, a descontração, a regulação de tônus, a reprodução de antigas vivências e a introspecção, permite como diz Sandor: “que cada um vislumbre aquilo que está destinado a ser e ajuda a preparar-se para cumprir sua incumbência individual como unidade dentro de uma unidade maior”.
O símbolo é nosso instrumento de trabalho e o meio pelo qual temos acesso ao inconsciente, onde acontecem espontaneamente todos os tipos de manifestações psíquicas. Existem pensamentos e sentimentos simbólicos, situações e atos simbólicos. A fenomenologia da psique é tão colorida e variada em forma e significado que é impossível refletir toda sua riqueza. Como disse Jung, “Nenhum gênio jamais sentou e disse: agora vou inventar um símbolo”, isso porque nenhum símbolo vem a partir de um pensamento racional ou por conclusão lógica.
As imagens que surgem durante um relaxamento são como faíscas de consciência que reluzem da escuridão do inconsciente. Essas faíscas impulsionam a imaginação clareando o nosso caminho.
A técnica Calatônica pode ser vista como um rito que nos conduz à passagens, e os ritos, como os antigos já sabiam, são formas de reintegrar nossas energias. Se não temos noção do poder das energias da nossa natureza, ficamos vulneráveis às doenças, pois, é nessa relação que a vida acontece.
É necessário ouvir os sinais corporais, compreender sua linguagem e, acima de tudo, saber que o inconsciente nos manda recado também via corpo. A psicologia analítica considera o sintoma como um indicador, ou seja, como a manifestação visível de complexos apontando para a necessidade de integrar aspectos inconscientes.
Essa relação dialética entre o visto e o falado nos mostra que nossa sombra pode ser vista pela luz do outro a nossa frente e que, de certa maneira, estamos nus através dos gestos, da postura, do tom de voz e especialmente pelo olhar – janela da alma. O corpo transmite suas mensagens independente da vontade; ele tem uma linguagem própria e ouvi-la pode favorecer a relação analítica. Os fenômenos sincronísticos demonstram uma essência que é tanto material como psíquica, unindo, portanto, o mundo exterior e o interior, o espiritual e o físico. Remete-nos à visão intuitiva do mundo da alquimia, à idéia do unus mundus.
Experienciamos o inconsciente através do corpo. O corpo fala tanto no seu tremor, temperatura e rubor quanto na rigidez que procura ocultar os sentimentos. A linguagem corporal é como a onírica: anuncia e denuncia, fornecendo, assim, símbolos à consciência. A dissociação mente-corpo comprometeu as relações afetivas, não só nos padrões sociais e estéticos, mas também na intimidade das relações amorosas. Como disse Jung:
“O corpo clama por igual reconhecimento; exerce o mesmo fascínio que a psique. Ainda estamos presos às velhas idéias de uma antítese entre mente e matéria; este estado de coisas deve parecer uma insuportável contradição. Mas se pudermos reconciliar com a misteriosa verdade de que o espírito é a vida do corpo vista de dentro, e de que o corpo é a manifestação externa da vida do espírito – os dois sendo, na verdade, uma só coisa – então, poderemos compreender a razão pela qual o caminho para transcender o presente nível de consciência deve ao corpo a sua parte, e a razão pela qual o reconhecimento do corpo não tolera uma filosofia que, em nome do espírito, o nega”. (Jung. O.C. v. 10 par.195)
A Calatonia como método em sua função de relaxamento e bem-estar, tem ação profilática, pois, segundo numerosos estudos, as doenças crônicas e degenerativas, parecem estar relacionadas ao estresse excessivo. Tem-se verificado o fato de que o estresse prolongado anula o sistema imunológico do corpo e suas defesas naturais contra infecções e outras doenças. As situações estressantes podem resultar tanto de eventos negativos como positivos, desde que exijam do organismo mudanças rápidas e profundas. Se não encontramos uma saída consciente para situações difíceis, ou somos impedidos de expressar a emoção associada àquela situação, adoecemos.
O objetivo do trabalho Calatônico é de eutonia – reequilíbrio do tônus muscular; um recondicionamento psico-físico, no qual permite que o sujeito possa entrar em contato com seu corpo e com suas vivências internas, sensações e imagens. A busca é do material inconsciente, via sensações corporais.
por Marfiza Ramalho Reis
Mestra em psicologia clínica (PUC-RJ); membro analista fundador da SBPA-RJ; especialista em calatonia (Sedes Sapientae-SP) especialista em terapia de família e casais(Nucleo-Pesquisas-RJ); membro do ATF.